The Devil’s Playground foi a primeira longa-metragem de Fred Schepisi, realizador australiano que, mais tarde, conseguiria entrar no circuito de Hollywood, assinando alguns filmes que podem ser vistos regularmente nos canais de cabo portugueses (Roxanne, Six Degrees of Separation e The Russia House, entre outros). É um filme aparentemente modesto, mas cheio de apontamentos relevantes, e que merece ser mais visto e discutido, porque não perdeu a sua força.

É uma ficção episódica meio autobiográfica, em que acompanhamos o quotidiano de um seminário na Austrália, em que jovens rapazes de várias idades estudam para seguirem o sacerdócio. Schepisi sentiu vontade de contar uma parte significativa da sua vida nesta história, que não vê só aquele mundo da perspetiva das crianças (e de Tom Allen, o protagonista, em particular), mas também da dos seus professores – “irmãos” de várias gerações, que guiam os miúdos de uma maneira rígida, criando um manual pormenorizado de regras que lhes limita a acção e o pensamento.

Com este resumo das intenções do filme, deverá o leitor pensar que aqui verá uma daquelas histórias já cliché do cinema, em que as crianças são vítimas de abuso pelos seus tutores. Não faltam certas nuances e subtilezas que poderão indicar um comportamento mais estranho de alguns dos padres para com as crianças, mas o principal chamariz da narrativa está na demonstração dos pecados de uns e de outros.

Entre os colegas de Allen há alguns fanáticos, que desejam atingir o zénite da espiritualidade, possível, nas suas teorias, se deixarem de sentir qualquer tipo de dor. E há outros que não têm a vocação e só querem fugir dali. E entre os padres, há os que levam a doutrina e as regras a sério, e outros que aproveitam para escapar sempre que possível – a si próprios ou aos seus alunos. Porque a tentação está sempre à espreita, e mesmo os homens de fé não deixam por isso de ser isso mesmo: homens, com as suas fraquezas e recaídas, por vezes com poucas forças para permanecer na castidade.

The Devil’s Playground é então um estudo sobre os efeitos da privação. O que interessa a Schepisi está na maneira como esta comunidade é afectada pelo código de conduta pelo qual se regem, de um conservadorismo impossível de atingir pela maioria dos seres humanos. E, em surpresa atrás de surpresa, somos confrontados com uma panóplia de personagens que questiona as suas crenças, o meio em que estão envolvidas, bem como a desorientação que é provocada pelo dito código, criando uma pequena selva psicológica onde o crescimento irá moldar as mentes dos alunos, numa altura em que o despertar da puberdade e a descoberta do “mundo exterior” colocará em causa os ideais do seminário.

Tudo isto é filmado com frontalidade, sem recurso a maneirismos ou truques baratos, e o efeito final é em grande parte da responsabilidade do fabuloso elenco, graças aos pequenos e aos grandes actores que conseguiram interpretar na perfeição as dúvidas, angústias e erros das suas personagens.

E no meio de todas as suas dúvidas, para Tom Allen este é um mundo onde, no fim, parece só haver uma única maneira de permanecer totalmente são: sonhando com a liberdade.

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